Caso perguntássemos a um cidadão parisiense do início do século XIX “O que é arte?”, talvez ele não fosse capaz de nos responder com a precisão de um filósofo ou crítico, mas apontaria, sem muita dificuldade, para alguma tela histórica de grandes dimensões e figuras imperiais galopando por entre campos de batalha, ou, quem sabe, a idílica vida greco-romana por entre discussões em praças e cavalarias em combate. A mesma escolha de obras, certamente, seria repetida no Salão de Paris, o evento oficial, subsidiado pelo governo francês, em que eram expostas as obras consideradas de boa qualidade por um júri especializado e conservador.
Se o mesmo pedido fosse feito ao filho desse mesmo cidadão, o mais provável é que a situação descrita acima se repetisse sem grandes alterações. No entanto, uma mudança já estaria se anunciando. Nosso interlocutor com certeza teria lido ou ouvido sobre o Salão dos Recusados de 1863, com suas pinturas que foram motivo de risada e deboche pelos visitantes, e talvez – se seu nível de conhecimento e interesse fosse mais aguçado – tivesse até mesmo ouvido falar de uma certa “Sociedade Anônima de Pintores, Escultores, Gravadores, etc…”, cujas obras expostas receberiam, mais tarde, o rótulo de impressionistas.
Agora, se fizéssemos esse mesmo experimento com o neto do referido cidadão a resposta seria a própria hesitação.
Isso porque a revolução proposta pelos pintores do Impressionismo já teria sido bem-sucedida e, por consequência, o conceito de “boa pintura”, que antes era definido de forma praticamente autocrática pelos “especialistas”, se encontrava, nesse ponto, em um momento crítico de indefinição. Nosso terceiro entrevistado, assim, se veria em uma situação difícil: escolheria como exemplo de um quadro excepcional uma tela com tema “elevado”, retratando um ideal clássico de beleza ou alguma virtude pública, ou então apontaria para uma daquelas pinturas ditas “impressionistas”, que haviam, após anos de tensão e hostilidade, conquistado os olhos do público de arte (ainda que várias delas parecessem, para muita gente, simples borrões de tinta besuntados numa tela)?
Num espaço de três gerações, portanto, viu-se o desmoronamento de toda uma tradição de pensamento a qual havia dominado o discurso artístico durante mais de 400 anos. Se havia antes uma série de reconstruções da ideia de arte e belo sendo forjadas ao longo de séculos, agora essas mudanças acontecem em maior velocidade e de maneira mais radical. Esse solapar de certezas se tornaria ainda mais agudo na virada do século, não só porque se estenderia para as outras artes, como a escultura, mas também porque colocaria em xeque, além da questão da qualidade artística, o próprio conceito de arte.
Se já não era mais a Academia de Belas Artes a responsável pela chancela da definição, a quem caberia dizer o que é arte? Só restavam os próprios artistas.
E assim começa o século XX, com a infinidade de teses e manifestos tentando solucionar esse enigma. E se existe uma certeza nos dias de hoje, é que nenhuma das respostas oferecidas foi satisfatória. Nem mesmo aqueles que tem o contato mais íntimo com a obra artística, acompanhando-a da concepção à execução, conseguem dizer o que ela é.
SOBRE O CURSO
A ideia do curso veio de uma tentativa de compreender as transformações ocorridas no campo da arte – em especial a pintura e a escultura – nos últimos dois séculos. Praticamente qualquer pessoa hoje em dia já ouviu uma das mil versões da história dos espectadores de uma exposição de arte contemporânea que não sabiam se um objeto aparentemente comum (um extintor ou um banco de madeira) era uma obra artística ou uma parte do prédio onde se realizava o evento. Ou então já leu sobre a venda milionária de um quadro em leilão, cujo autor não recebeu nenhum reconhecimento em vida pelos seus trabalhos. Para entender como o mundo da arte tornou-se o que é hoje, é preciso olhar para o passado, em especial para o momento crucial da passagem do século XIX para o XX, quando vemos o surgimento das vanguardas e, com elas, o turbilhão que desmantelou, em definitivo, toda a tradição artística herdada do Renascimento.
Ao longo de seis encontros nós iremos explorar essas mudanças nas ideias de “o que é” e “para que serve a” arte, analisando as principais obras dos dois séculos passados, e do nosso século atual, e buscando os momentos chave dessa virada.
Entender esses processos de radical transformação nos levará, então, para a pergunta derradeira “Estamos hoje em decadência artística ou florescimento de imensa criatividade?”. Caberá ao aluno encontrar sua resposta ao final do curso.
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